Olá, Essa semana, o comunicador Luciano Pires trata da contradição entre a velocidade que a internet nos trouxe e a falta de tempo no nosso dia a dia. Boa Leitura!
Achei! Num sebo, a coleção completa da enciclopédia “Conhecer” que a EditoraAbril lançou no final dos anos sessenta. Linda, novinha... Eu não estavaprocurando, mas foi irresistível. Voltei pra casa com doze volumes mais três“dicionários” e um frio no estômago. Quando cheguei preparei minha viagem. Sim, a lembrança que eu tenho de minhaexperiência – aos onze anos de idade – com aquela enciclopédia era deviajar. Pelo tempo e pelo espaço, sem limites de lugares ou assuntos.Afinal, a curiosidade é o atributo mais presente numa criança de onze anosde idade, não é? A Abril Cultural lançou em 1967 a enciclopédia Conhecer emfascículos que eram colecionados até formar um volume da coleção. Então eleslançavam a capa que a gente comprava e levava para um encadernador que nosdevolvia um belo livro vermelho sangue com o nome “Conhecer” em dourado. Ummundo de conhecimento com cerca de 4 mil páginas! Passou a ser rotina aguardar ansioso a chegada do novo fascículo. Queassuntos seriam abordados? E os caras da editora eram espertos, viu?. Nummundo dominado por enfadonhas enciclopédias em preto-e-branco com muitotexto e pouquíssimas imagens, a “Conhecer” vinha repleta de ilustraçõesdramáticas, enormes e coloridas. Cada página virada revelava uma explosão decores! E o que acontecia então eu relatei no texto “Quirópteros” em meulivro Brasileiros Pocotó: “Eu tinha 12 anos. E minha professora de Ciências pediu um trabalho escolarsobre Quirópteros: a ordem dos morcegos. Comprei cartolina (lembra-se?).Pincel atômico. Cola Tenaz (a grande novidade que substituía a gomaarábica). E mergulhei na minha enciclopédia Conhecer. Para encontrar osQuirópteros, eu navegava pela enciclopédia, passando pela Grécia Antiga.Depois, pela história da Grande Muralha da China. Pelos dinossauros. Porcomo funciona um navio. Pelos satélites artificiais... Motivado pelacuriosidade infinita de criança eu viajava pelas páginas, pelas ilustraçõesmulticoloridas, durante horas. Até achar os tais morcegos. Aí, copiava otexto, recortava revistas, colava na cartolina, e, na segunda- feira, levavaaquela coisa amassada para a escola e via a professora examinar e me dar anota. Era assim o processo. E nunca mais esqueci o que são Quirópteros. Oucomo funciona um navio. Ou como morreram os dinossauros...”. Sem perceber, como um garimpeiro eu estava aos poucos juntando um tesouroque seria fundamental para meu futuro: conhecimento. Cada parada naquelaspáginas da Conhecer dava-me uma pepita que eu colocava em meu repertório.Que sorte a minha. Pois refletindo sobre essa garimpagem e a diferença dos processos de hojeque - após o surgimento da internet e de “São” Google - levaram quase aoinfinito nossa capacidade de buscar informações, dei de cara com umacontradição. A curiosidade daquele garoto só podia ser saciada por ele ter um estoquepraticamente ilimitado de... tempo. Eu podia investir o tempo que quisesseem minhas viagens pela enciclopédia. E assim montei meu tesouro. Hoje, quarenta anos depois, “tempo” passou a ser meu ativo mais escasso. Ainternet me dá a oportunidade de otimizar meu tempo. Encontro em segundos oque preciso! Sou um garimpeiro supersônico! Que sorte eu tenho! Mas nãotenho tempo... Não posso desviar minha busca dos Quirópteros para mergulhar fundo na vidade um dinossauro colorido. Ou no telescópio Hubble. Ou no Timor Leste.Preciso ir direto ao ponto. Rápido. Sou um garimpeiro supersônico. Desuperfície. Mergulho no raso, dou uma olhada e volto correndo. O telefoneestá tocando. Alguém está me esperando... Minha nova enciclopédia Conhecer está ali, na minha frente, linda. Esperando que eu tenha tempo pra ela.
*Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista.
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