segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Brincando de entender amor e paixão

(por Jace Theodoro)

E eu pensando que o amor batia em nossa vida pela porta da frente em cortejo de invejar rainhas. E eu pensando que ele vinha em artifícios de fogos juninos, com o fragor de um domingo de carnaval, estrepitoso como o cão ao cheiro do dono que já dobra a esquina. O amor entra pela porta dos fundos, em matemáticos e bem-medidos passos de lã. Não diz nada. O amor é calado e espera no pufe da sala que o dono da casa lhe ofereça café forte e biscoitos de nata. Quando o amante se dá conta, o amor fez a cama, espalhou-se pelos quartos, passou pano no corredor, areou frigideiras e agora dorme o sono da exaustão amorosa.
A paixão, sim, desfila vaidosa ao olho mágico e, sem campainha que a anuncie, arromba portas. Pode ser vista do chão quando passeia pelo céu em constelações fogosas. A paixão, vista do camarote superior, ganha lugar à frente da bateria nota 10. é um cachorro de trinta e tantos dentes a roer o osso do calcanhar. A paixão pega no pé... e larga no dia seguinte.
À primeira chispa do amor, a “Melodia Sentimental” o desperta nas manhãs. O amor tem braços de espreguiçar, boca de beijar beijos Colgate, bom dia como partitura de saudação. O mesmo sangue de “O primo Basílio” corre nas veias da paixão enquanto o amor junta lembranças dos tempos do cólera.
A paixão mostra seus arranhões na Muralha da China, onde se mata e se morre por ela. A honradez chinesa é passional, fere rente, ensinava meu bisavô, que nunca amarelava e era chinês. O amor pode ser mal-educado como um francês (falei, et voilá) e pode igualmente se enganchar na Eiffel para gritar je t´aime. A paixão é Piaf, o amor se faz de morto assobiando “La Vie em Rose”.
O amor guarda pulseirinhas, cortadores de unha, estiletes de gume frágil. A paixão põe a mão na faca enterrada nas omoplatas, tem unhas de fincar, dentes esbranquiçados à força do esmeril. O amor come, a paixão morde, o amor mastiga, a paixão cospengolevomita.
Quando o amor termina, o amante vai ao velório e prepara o féretro ouvindo o “Réquiem” de Mozart. Finda a paixão, o amante arrasta i cadáver pela cidade e solta o barulho à passagem da Terceira Ponte. Depois – coisa à toa para o apaixonado – recupera o corpo deixado na praia pelas ondas. A paixão mergulha com o cadáver; o amor toma uma ducha para dar de comer. À memória se encarrega de apagar os dois.
Embora pareçam – filósofo eu cá no colo da poesia -, amor e paixão não são antítese, embora se prestem a muitas teses. E também não se sujeitam à prisão do alfinete da minha síntese que teima em faze-los contrários. Amor e paixão são irmãos sem contato, com o mesmo gene, espécie, família. Vêm da mesma árvore, só não são macacos do mesmo galho.

Um comentário:

Tomás Chiaverini disse...

Oi Luciana, tudo bem?
Vi que vc gostou do meu primeiro livro, "Cama de Cimento", então te convido a conferir o segundo: "Festa Infinita - O entorpecente mundo das raves". Foi lançado semana passada, e está chegando nas principais livrarias.
Um abraço,
Tomás